sexta-feira, 9 de abril de 2010

Rock Amazônico nas noites frias da selva de pedra


Bandas do Amapá, do Acre e de Mato Grosso trazem sons de Fora do Eixo, muito além dos estereótipos


Por Lauro Lisboa Garcia, do Estadão.


Duas noites frias e chuvosas em São Paulo não intimidaram o público interessado nas novidades trazidas pelo Festival Fora do Eixo. A "conexão amazônica", como disse brincando o guitarrista Saulim, do Caldo de Piaba, precipitou caudalosas ondas sonoras a partir do rock, com um mundo de influências para plateias calorosas. Ontem de madrugada, o Caldo (de Rio Branco) dividiu o palco com o Macaco Bong (de Cuiabá) no Studio SP. Os dois power trios (baixo, guitarra e bateria) fizeram a conexão transmidial entre si, numa improvisada mudança de palco, e também pela participação do tecladista Otto Ramos, do Mini Box Lunar, banda do Amapá, que abriu o festival, declaradamente morrendo de frio na selva de pedra, anteontem no Itaú Cultural, com participação de Jards Macalé.

Das três bandas, o Macaco Bong é a mais coesa, desenvolvida e representativa do êxito do Circuito Fora do Eixo. E também a mais conhecida do público paulistano. Em janeiro, eles tocaram no Auditório Ibirapuera com participação de músicos como Siba e Vitor Araújo. Foi uma situação atípica, quando o trio abriu espaço para os convidados, desviando um pouco de seu eixo. Anteontem, fora a participação discreta de Otto (até porque mal se ouvia o som teclado), o trio arregaçou do jeito que se conhece: muitas variações de climas, alguns efeitos, Ynaiã Benthroldo alucinando na bateria, Ney Hugo mantendo o pulso firme do baixo e a guitarra de Bruno Kaypay cantando de tão energética, entre ruidosa e melódica. Tocaram temas de seu álbum de estreia, Artista Igual Pedreiro e outros inéditos em mais uma potente descarga de decibéis. Na semana que vem, eles gravam o primeiro DVD em Belo Horizonte, dentro do festival Conexão Vivo, que, aliás, vai ter show de várias bandas do Fora do Eixo.

Sopão sonoro. O Caldo de Piaba começou a entrar no som do Macaco com os bateristas Yanaiã e Di Deus dividindo as baquetas, depois entraram o baixista Miúda e o guitarrista Saulim, este, sim, miúdo, mas toca com jeito grande. A mudança de clima ficou mais nítida a partir do segundo tema, quando o experimentalismo deu vazão a inusitadas misturas dançantes, com rock, jazz, calipso, surf music, samba, funk, guitarrada, tecnobrega e o que mais vier. O Caldo mixa tudo isso sem o menor pudor e acaba se dando bem. No sopão sonoro, além de composições próprias, eles incorporam clássico venezuelano, Moliendo Café (Hugo Blanco), de 1958, e até uma versão de The Millionaire (Mike Maxfield), que ficou bastante conhecida no Brasil na versão de Os Incríveis na fase da jovem guarda.

Ainda tinha muita gente presa no trânsito e na chuva, quando o Mini Box Lunar abriu o festival no Itaú Cultural, mas o público foi chegando e esquentando o show. O sexteto amapaense também surpreende pela mistureba de gêneros. Eles têm um pé no rock psicodélico dos anos 60 e 70, ecos de Beach Boys e Mutantes, mas também revelam influências da música que predomina no Norte, com referências aos sons caribenhos, até porque estão mais próximos da Guiana Francesa do que qualquer grande centro brasileiro. Montam arranjos bem entranhados, com belos timbres de guitarra de Alexandre Avelar (Kbelo), fazendo citações inteligentes de temas clássicos. As meninas Helô e Jenifer têm um canto contido e às vezes até infantil, com graça e leveza. Antes de receber Macalé como convidado, eles mandaram bem numa versão de Hotel das Estrelas, em homenagem a ele.

Macalé abriu seu breve set ao violão com Cidade Lagoa (Sebastião Fonseca e Cícero Nunes), que caiu na medida diante das tragédias no Rio esta semana com as chuvas, cuidando para não exagerar no humor. Com a banda de volta, vieram os melhores momentos, incluindo, claro, Vapor Barato e Farrapo Humano. O festival continua em outros palcos até domingo. São outros Brasis, que, enfim, têm chance de mostrar sua cara por aqui.

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