terça-feira, 16 de março de 2010

Caldo de Piaba & Binário no MIC


Já experimentou Caldo de Piaba? Nós sim. E curtimos o Binário, também. Confira aqui a resenha de ambos os shows, integrantes da Mostra Instrumental Contemporânea, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro.

Por Bruno Stehling, da Rádio Microfonia
Fotos Ana Paula de Araújo, do Coletivo Ponte Plural


Mostra Instrumental Contemporânea - Caldo de Piaba

Sexta feira, horário de happy-hour, 19:30, um Teatro Nelson Rodrigues com poucos lugares vazios e um público bem interessado. Rio de Janeiro, um festival de música instrumental e, de uma forma geral, mais voltado para o rock independente, termos que os iniciados já tomariam por contradições típicas me fizeram ir com curiosidade extra e ouvidos bem atentos.

Já conhecia a banda de abertura, mas o show do Caldo de Piaba foi muito além das minhas expectativas. Esse trio de nome curioso vem do estado do Acre, e apesar da formação tipicamente roqueira: guitarra distorcida, baixo e bateria, sua sonoridade é uma convergência instigante dos estilos mais improváveis.


Rock com carimbó, Funk Music e guitarrada do Pará, ou techno brega em versão dub soa exótico demais pra você? Pois saiba que o resultado é coeso, empolgante e rock’n’roll graças à sonoridade típica de trio e à perspicácia técnica dos integrantes.

Cada música conta sua própria história sonora com mudanças de andamentos, estilos e clímax diversos. Ao lado de suas excelentes composições, versões geniais de Baden-Powel, Tim Maia e João Donato faziam parte do repertório. Entre elas um cruzeiro musical levou “I want you (She’s so heavy)” dos Beatles pelos mares do Reggae, blues e rock pré-grunge (na linha que os próprios garotos de Liverpool já haviam anunciado em Helter Skelter).

O coração melódico era uma guitarra telecaster canhota com um captador P-90 no braço e um humbucker na ponte, tocada com bom gosto e em alto volume. Na bateria um estilo free, que me lembrou por vezes a banda novaiorquina Television, ainda que com uma ou outra imperfeição, e no baixo, de uma introspecção comovente saíam levadas e frases precisas.


Para nos localizar nessa viagem cultural, a voz tímida do guitarrista anunciava algumas canções e gritava uma ou outra frase de algum refrão. O baterista também prestava sua assistência no papel de guia turístico com frases como “agora vamos ao Pará”, ou “Deja-vu: Techno brega em versão dub!”.

O som da casa estava tão impecável quanto os timbres dos instrumentos, os arranjos deixavam espaço para cada um mostrar o seu talento, e o virtuosismo ficava na dose certa, tendo sempre a canção como ponto central.

Foi um daqueles shows pra aplaudir de pé.




Segundo show da noite - Binário


A única banda local a tocar no evento foi o Binário, e logo após o impecável e empolgante show dos acrianos do Caldo de Piaba. O conjunto não faz apenas música, eles têm um trabalho videográfico com importância central em suas apresentações. Uma formação com muitos músicos, parafernália de cabos e pedais, e ousadia nos timbres constroem uma plasticidade musical com a sucessão de climas que dialoga bem com os vídeos.

Entretanto, a noite trouxe dois imprevistos. Um acidente com o pai de um dos integrantes, momentos antes do show, obrigou a banda a tocar de improviso com uma formação compacta. O outro, muito menos grave, foi técnico.

Logo nas primeiras notas, o sistema de som da casa, até então impecável, começou a falhar, e uma das caixas distorceu os graves, comprometendo o início da apresentação e desconcentrando os músicos. Foram precisas algumas músicas até sanarem o problema e felizmente a banda começou a se sentir em casa, retomando o controle do show.

O Binário deu uma aula de entrosamento, pois conseguiram superar as limitações imprevistas na formação com baixista e guitarrista trocando de papéis algumas vezes por música e dando conta de sintetizadores e outros instrumentos. Em uma das músicas tocaram com maestria uma cítara, aquele instrumento indiano que quem conhece bem de perto, e apesar do glamour desde os Beatles, é de fato uma geringonça desengonçada construída “nas coxas” por dálitis, e que ainda assim tem uma sonoridade penetrante.

Outro destaque foi a música “Vamos andar na praia”, cujo pedido já havia sido gritado por alguém do público e foi a única com voz e letra, ainda que com efeitos suficientes para tornar o vocal um outro instrumento.


A qualidade artística dos vídeos que compunham a atmosfera do show era de altíssimo nível, entretanto, o integrante da banda que controlava o projetor não foi feliz na posição que escolheu para a exibição. Começou acertado no centro do palco, mas por alguma razão que me escapa, precisou mudar de ângulo e projetou as imagens para atrás da mesma maldita caixa que havia começado com problemas técnicos. Resultado: o público que se sentou nas fileiras da direita teve dificuldade de visualizar o trabalho, garantindo alguns torcicolos cariocas para o sábado de manhã.


O Binário é uma banda ousada, com músicas de longa duração e nem todas de fácil assimilação, e que merece uma produção à altura, com requintes que bandas independentes no Brasil não costumam ter à disposição. Apesar do bom trabalho durante o evento, o operador de luz da casa não soube lidar muito bem com a excentricidade artística deles, e o baterista conseguiu resolver a questão pedindo em voz alta o mínimo de luz possível pois “é assim que o público gosta”.


Visualmente, o show foi encerrado com uma animação hilariante do Don Hertzfeldt, que arrancou gargalhadas da platéia. Foi um show bem interessante, com destaque para os climas cinematográficos e experimentações sonoras, e merece ser revisto sem os imprevistos técnicos.

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