Já experimentou Caldo de Piaba? Nós sim. E curtimos o Binário, também. Confira aqui a resenha de ambos os shows, integrantes da Mostra Instrumental Contemporânea, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro.
Mostra Instrumental Contemporânea - Caldo de Piaba
Sexta feira, horário de happy-hour, 19:30, um Teatro Nelson Rodrigues com poucos lugares vazios e um público bem interessado. Rio de Janeiro, um festival de música instrumental e, de uma forma geral, mais voltado para o rock independente, termos que os iniciados já tomariam por contradições típicas me fizeram ir com curiosidade extra e ouvidos bem atentos.
Já conhecia a banda de abertura, mas o show do Caldo de Piaba foi muito além das minhas expectativas. Esse trio de nome curioso vem do estado do Acre, e apesar da formação tipicamente roqueira: guitarra distorcida, baixo e bateria, sua sonoridade é uma convergência instigante dos estilos mais improváveis.
Rock com carimbó, Funk Music e guitarrada do Pará, ou techno brega em versão dub soa exótico demais pra você? Pois saiba que o resultado é coeso, empolgante e rock’n’roll graças à sonoridade típica de trio e à perspicácia técnica dos integrantes.
Cada música conta sua própria história sonora com mudanças de andamentos, estilos e clímax diversos. Ao lado de suas excelentes composições, versões geniais de Baden-Powel, Tim Maia e João Donato faziam parte do repertório. Entre elas um cruzeiro musical levou “I want you (She’s so heavy)” dos Beatles pelos mares do Reggae, blues e rock pré-grunge (na linha que os próprios garotos de Liverpool já haviam anunciado em Helter Skelter).
O coração melódico era uma guitarra telecaster canhota com um captador P-90 no braço e um humbucker na ponte, tocada com bom gosto e em alto volume. Na bateria um estilo free, que me lembrou por vezes a banda novaiorquina Television, ainda que com uma ou outra imperfeição, e no baixo, de uma introspecção comovente saíam levadas e frases precisas.
Para nos localizar nessa viagem cultural, a voz tímida do guitarrista anunciava algumas canções e gritava uma ou outra frase de algum refrão. O baterista também prestava sua assistência no papel de guia turístico com frases como “agora vamos ao Pará”, ou “Deja-vu: Techno brega em versão dub!”.
O som da casa estava tão impecável quanto os timbres dos instrumentos, os arranjos deixavam espaço para cada um mostrar o seu talento, e o virtuosismo ficava na dose certa, tendo sempre a canção como ponto central.
Foi um daqueles shows pra aplaudir de pé.
Segundo show da noite - Binário
A única banda local a tocar no evento foi o Binário, e logo após o impecável e empolgante show dos acrianos do Caldo de Piaba. O conjunto não faz apenas música, eles têm um trabalho videográfico com importância central em suas apresentações. Uma formação com muitos músicos, parafernália de cabos e pedais, e ousadia nos timbres constroem uma plasticidade musical com a sucessão de climas que dialoga bem com os vídeos.
Entretanto, a noite trouxe dois imprevistos. Um acidente com o pai de um dos integrantes, momentos antes do show, obrigou a banda a tocar de improviso com uma formação compacta. O outro, muito menos grave, foi técnico.
Logo nas primeiras notas, o sistema de som da casa, até então impecável, começou a falhar, e uma das caixas distorceu os graves, comprometendo o início da apresentação e desconcentrando os músicos. Foram precisas algumas músicas até sanarem o problema e felizmente a banda começou a se sentir em casa, retomando o controle do show.
O Binário deu uma aula de entrosamento, pois conseguiram superar as limitações imprevistas na formação com baixista e guitarrista trocando de papéis algumas vezes por música e dando conta de sintetizadores e outros instrumentos. Em uma das músicas tocaram com maestria uma cítara, aquele instrumento indiano que quem conhece bem de perto, e apesar do glamour desde os Beatles, é de fato uma geringonça desengonçada construída “nas coxas” por dálitis, e que ainda assim tem uma sonoridade penetrante.
Outro destaque foi a música “Vamos andar na praia”, cujo pedido já havia sido gritado por alguém do público e foi a única com voz e letra, ainda que com efeitos suficientes para tornar o vocal um outro instrumento.
A qualidade artística dos vídeos que compunham a atmosfera do show era de altíssimo nível, entretanto, o integrante da banda que controlava o projetor não foi feliz na posição que escolheu para a exibição. Começou acertado no centro do palco, mas por alguma razão que me escapa, precisou mudar de ângulo e projetou as imagens para atrás da mesma maldita caixa que havia começado com problemas técnicos. Resultado: o público que se sentou nas fileiras da direita teve dificuldade de visualizar o trabalho, garantindo alguns torcicolos cariocas para o sábado de manhã.
O Binário é uma banda ousada, com músicas de longa duração e nem todas de fácil assimilação, e que merece uma produção à altura, com requintes que bandas independentes no Brasil não costumam ter à disposição. Apesar do bom trabalho durante o evento, o operador de luz da casa não soube lidar muito bem com a excentricidade artística deles, e o baterista conseguiu resolver a questão pedindo em voz alta o mínimo de luz possível pois “é assim que o público gosta”.
Visualmente, o show foi encerrado com uma animação hilariante do Don Hertzfeldt, que arrancou gargalhadas da platéia. Foi um show bem interessante, com destaque para os climas cinematográficos e experimentações sonoras, e merece ser revisto sem os imprevistos técnicos.
Mostra Instrumental Contemporânea - Caldo de Piaba
Sexta feira, horário de happy-hour, 19:30, um Teatro Nelson Rodrigues com poucos lugares vazios e um público bem interessado. Rio de Janeiro, um festival de música instrumental e, de uma forma geral, mais voltado para o rock independente, termos que os iniciados já tomariam por contradições típicas me fizeram ir com curiosidade extra e ouvidos bem atentos.
Já conhecia a banda de abertura, mas o show do Caldo de Piaba foi muito além das minhas expectativas. Esse trio de nome curioso vem do estado do Acre, e apesar da formação tipicamente roqueira: guitarra distorcida, baixo e bateria, sua sonoridade é uma convergência instigante dos estilos mais improváveis.
Rock com carimbó, Funk Music e guitarrada do Pará, ou techno brega em versão dub soa exótico demais pra você? Pois saiba que o resultado é coeso, empolgante e rock’n’roll graças à sonoridade típica de trio e à perspicácia técnica dos integrantes.
Cada música conta sua própria história sonora com mudanças de andamentos, estilos e clímax diversos. Ao lado de suas excelentes composições, versões geniais de Baden-Powel, Tim Maia e João Donato faziam parte do repertório. Entre elas um cruzeiro musical levou “I want you (She’s so heavy)” dos Beatles pelos mares do Reggae, blues e rock pré-grunge (na linha que os próprios garotos de Liverpool já haviam anunciado em Helter Skelter).
O coração melódico era uma guitarra telecaster canhota com um captador P-90 no braço e um humbucker na ponte, tocada com bom gosto e em alto volume. Na bateria um estilo free, que me lembrou por vezes a banda novaiorquina Television, ainda que com uma ou outra imperfeição, e no baixo, de uma introspecção comovente saíam levadas e frases precisas.
Para nos localizar nessa viagem cultural, a voz tímida do guitarrista anunciava algumas canções e gritava uma ou outra frase de algum refrão. O baterista também prestava sua assistência no papel de guia turístico com frases como “agora vamos ao Pará”, ou “Deja-vu: Techno brega em versão dub!”.
O som da casa estava tão impecável quanto os timbres dos instrumentos, os arranjos deixavam espaço para cada um mostrar o seu talento, e o virtuosismo ficava na dose certa, tendo sempre a canção como ponto central.
Foi um daqueles shows pra aplaudir de pé.
Segundo show da noite - Binário
A única banda local a tocar no evento foi o Binário, e logo após o impecável e empolgante show dos acrianos do Caldo de Piaba. O conjunto não faz apenas música, eles têm um trabalho videográfico com importância central em suas apresentações. Uma formação com muitos músicos, parafernália de cabos e pedais, e ousadia nos timbres constroem uma plasticidade musical com a sucessão de climas que dialoga bem com os vídeos.
Entretanto, a noite trouxe dois imprevistos. Um acidente com o pai de um dos integrantes, momentos antes do show, obrigou a banda a tocar de improviso com uma formação compacta. O outro, muito menos grave, foi técnico.
Logo nas primeiras notas, o sistema de som da casa, até então impecável, começou a falhar, e uma das caixas distorceu os graves, comprometendo o início da apresentação e desconcentrando os músicos. Foram precisas algumas músicas até sanarem o problema e felizmente a banda começou a se sentir em casa, retomando o controle do show.
O Binário deu uma aula de entrosamento, pois conseguiram superar as limitações imprevistas na formação com baixista e guitarrista trocando de papéis algumas vezes por música e dando conta de sintetizadores e outros instrumentos. Em uma das músicas tocaram com maestria uma cítara, aquele instrumento indiano que quem conhece bem de perto, e apesar do glamour desde os Beatles, é de fato uma geringonça desengonçada construída “nas coxas” por dálitis, e que ainda assim tem uma sonoridade penetrante.
Outro destaque foi a música “Vamos andar na praia”, cujo pedido já havia sido gritado por alguém do público e foi a única com voz e letra, ainda que com efeitos suficientes para tornar o vocal um outro instrumento.
A qualidade artística dos vídeos que compunham a atmosfera do show era de altíssimo nível, entretanto, o integrante da banda que controlava o projetor não foi feliz na posição que escolheu para a exibição. Começou acertado no centro do palco, mas por alguma razão que me escapa, precisou mudar de ângulo e projetou as imagens para atrás da mesma maldita caixa que havia começado com problemas técnicos. Resultado: o público que se sentou nas fileiras da direita teve dificuldade de visualizar o trabalho, garantindo alguns torcicolos cariocas para o sábado de manhã.
O Binário é uma banda ousada, com músicas de longa duração e nem todas de fácil assimilação, e que merece uma produção à altura, com requintes que bandas independentes no Brasil não costumam ter à disposição. Apesar do bom trabalho durante o evento, o operador de luz da casa não soube lidar muito bem com a excentricidade artística deles, e o baterista conseguiu resolver a questão pedindo em voz alta o mínimo de luz possível pois “é assim que o público gosta”.
Visualmente, o show foi encerrado com uma animação hilariante do Don Hertzfeldt, que arrancou gargalhadas da platéia. Foi um show bem interessante, com destaque para os climas cinematográficos e experimentações sonoras, e merece ser revisto sem os imprevistos técnicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário